"Agrada-te do Senhor, e Ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais Ele fará." Sl37: 4-5















sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Cada um sabe onde o "calo lhe aperta"...

Eu conheço pessoas que nunca arriscariam viver em um outro país, que até acham um absurdo sair do Brasil pra começar do zero no país dos "outros"; uns alegam apego a família, outros a falta de coragem pra encarar subempregos, outros patriotismo e etc.
É natural que as pessoas queiram estar perto de quem se ama, onde cresceram e têm referências, que prefiram trabalhar e progredir no Brasil, falando português, comendo feijão, junto dos amigos...eu até entendo, mas o que muita gente não entende, é que cada um sabe onde o "calo lhe aperta".
Mudar para outro país não é a primeira opção de ninguém - creio eu - é uma escolha fundamentada em uma análise da situação em que se vive.
Quando eu decidi iniciar o processo de imigração do Canadá, eu comecei a estudar muito sobre o assunto, visitei blogs, conversei com algumas famílias, e deu pra ter uma visão geral do perfil das pessoas que estão saindo do Brasil pra encarar o desafio de viver lá. Geralmente são pessoas formadas, com um bom nível sócio-cultural, que por não aguentarem mais a violência, a impunidade, a incerteza do mercado de trabalho, o trânsito insuportável dos grandes centros, partem para uma nova vida em terras canadenses. Quem já foi vítima de um assalto, de um sequestro-relâmpago, que perdeu um parente ou um amigo e teve que aceitar a impunidade, quem ficou desempregado de uma hora pra outra e viu sua vida se tranformar drasticamente pra pior, entende bem a decisão de mudar de país, de começar de novo em um outro lugar.
 Mas, infelizmente, nem todos têm os pontos (o processo de imigração é baseado em pontos) necessários pra viver esta experiência de forma legal, e muitos o fazem na ilegalidade, às vezes, até mesmo por falta de conhecimento das muitas opções que o Canadá oferece para imigração.
Eu ainda não fui pro Canadá, mas posso falar um pouco do que eu vi nos EUA a este respeito.
Quando eu fui para os EUA, eu era jovem, recém-formada e não tinha necessidade de ir, mas eu queria incrementar o meu curriculum com um curso no exterior, aperfeiçoar meu inglês, adquirir mais qualificações pra encarar o difícil mercado baiano na minha área. Eu queria viver uma experiência que o salário de minha mãe como dentista, com três filhas em idade escolar, não podia bancar, então, eu fui sabendo que ia ter que ralar muuuuito pra alcançar meu objetivo.
Ao chegar lá, eu tive que me jogar nos trabalhos que apareciam, agarrei o subemprego como uma forma de viver e pagar o meu curso, que não era barato. E através dos trabalhos, da igreja, eu fui conhecendo pessoas com vidas muito distantes da minha realidade, histórias que eu não imaginava que existissem. Pq, geralmente, a maioria dos pais - assim como minha mãe fez - com muito esforço, investem na educação dos filhos, os colocam em bons colégios, em bons cursos, os cercam de amigos e colegas com nível social e cultural do padrão deles pra mais, nunca menos, e acabam criando uma 'bolha" que os impedem de conviver com a realidade da maior parte do país. Até então, com a minha vida de classe média, eu já tinha ouvido falar - através dos jornais, da tv - de pobreza, de imigrantes que arriscam suas vidas pra viver num país melhor, com melhores oportunidades, mas eu nunca tinha conhecido ninguém. E nos EUA, eu passei a conviver com o outro lado da vida.
Eu conheci famílias que tinham chegado só com as malas, outros só com as roupas do corpo, que tinham deixado no Brasil muitas dívidas, desemprego, desilusão. Pais e mães, que mais do que dinheiro, estavam buscando educação de qualidade e uma vida melhor para seus filhos. Pessoas que depois dos 40-50 anos foram trabalhar de faxineiro, pedreiro, pintor e etc, pra pagar o tratamento de um parente, a universidade de um filho, construir uma casa.
Pra muita gente, nenhuma destas necessidades vale o preço de morar em outro país de forma ilegal, é compreensível, isso é uma questão de escolha, de ponto-de-vista. O engraçado é que, normalmente, os críticos mais fevorosos são pessoas com a vida mais ou menos organizada, que tiveram oportunidades, e que nunca viveram uma situação real de pobreza.
Eu não defendo a imigração ilegal, não estou aqui pra levantar nenhuma bandeira, mas confesso, que me incomodo com a facilidade com que as pessoas julgam umas às outras.
Eu tenho uma amiga que foi abandonada pelo marido com duas filhas pra criar, ela só tem o segundo grau e, com os vistos de turista na mão, ela viu nos EUA a oportunidade de proporcionar às filhas o que ela não poderia no Brasil. Ela até tentou se legalizar, chegou a ter o pedido aprovado pela imigração, mas não teve dinheiro suficiente pra pagar o advogado e as taxas finais do processo. Hoje, as filhas falam 3 idiomas, a mais velha foi até convidada a conhecer o então presidente dos EUA, o Sr.Bush, pra receber os parabéns pelo excelente desempenho na escola. Minha amiga continua pobre, ainda trabalha com limpeza, e continua ilegal, mas ela tem conseguido dar às filhas uma vida muito melhor do que elas teriam no Brasil.
É fácil apontar o dedo e dizer que ela está errada, mas qual é a mãe ou o pai que não sonha em dar ao filho uma boa educação, uma vida com o mínimo de conforto???
É verdade que o Brasil está com a econômia melhor do que há 10 anos, quando eu fui pra os EUA, as escolas estão melhores, muita coisa melhorou, mas também é verdade que ainda está longe de ser o que deveria pra que as crianças e os jovens de famílias carentes tenham melhores oportunidades.
É interessante como o tempo e as experiências nos amadurecem; hoje, depois de tudo o que eu já vi e já vivi, eu não consigo julgar uma pessoa sem antes me colocar no lugar dela, respeito muito mais as escolhas que cada um faz, pq eu aprendi como é bom que respeitem as minhas e, acima de tudo, pq Deus nos deu o direito de escolher, nem Ele como Deus, impõe a Sua vontade sobre nós, imagine se nós temos o direito de julgar as escolhas uns dos outros.
A ilegalidade não é uma coisa boa, mas pior ainda é discriminar, julgar e condenar quem se encontra nesta situação sem nem saber a sua história, os seus motivos.
Eu conheci uma jovem que foi para os EUA fugindo das ameaças de morte de traficantes colombianos, muitos cubanos que arriscaram suas vidas indo à nado ou em pequenos barcos pra se livrar do governo ditatorial de Fidel Castro, haitianos fugindo da miséria e da guerra civil de seu país, e muitos brasileiros buscando uma vida melhor. Com certeza, cada um deles preferia ficar em seu próprio país, junto com suas familias e amigos, falando o seu idioma, mas optaram, por motivos que cada um deles conhece como ninguém, a se arriscar numa viagem, muitas vezes arriscada, e começar uma nova vida.
Cada um sabe onde o "calo lhe aperta"...

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